The Walking Dead S1

 Raros são os exemplos de produtos que tenham conseguido superar a obra original em que se baseiam, sejam eles filmes, séries, romances, videojogos ou banda desenhada. Seja por dificuldades inerentes à transposição de um universo a um meio de comunicação diferente, seja por desconhecimento do original ou, simplesmente, por falta de vontade, muitos são os exemplos de obras que acabam totalmente destruídas quando adaptadas, deixando os fãs do original devastados. Mas… e o que acontece quando a adaptação consegue não só igualar o original, mas também, superá-lo, convencendo quem não tinha gostado da obra original a dar mais uma oportunidade a esse universo?

The Walking Dead“, a nova aposta do canal americano AMC, foi sem dúvida um projecto corajoso. Adaptar a banda desenhada de Robert Kirkman, vencedora de um Eisner Award, sobre um grupo de pessoas que tentam sobreviver num mundo devastado por um apocalipse zombie, não seria para todos os canais, não só devido ao tema da história mas também devido a todos os requisitos necessários para trazer, da melhor forma, este mundo ao pequeno ecrã, nomeadamente a nível de caracterização dos zombies e, especialmente, de violência e do gore tão característicos deste género. É de louvar, então, não só a aposta do canal neste projecto mas também toda a produção envolvida, que passa pela escolha do produtor Frank Darabont para comandar as rédeas do projecto e de Bear McCreary para a banda sonora e, especialmente, pela forma como nada foi descurado a nível da caracterização dos zombies. Mas se todos estes elementos prometiam um bom produto e elevavam as expectativas, o que dizer do resultado final?

Do lado da AMC, a resposta foi altamente positiva, com a série a ser renovada devido às estrondosas audiências que fizeram de “The Walking Dead” mais um sucesso para o canal que nos trouxe já “Mad Men” e “Breaking Bad”. Do lado dos espectadores, no entanto, as opiniões divergem. E neste cantinho em particular, mais ainda.

Não sendo, de todo, fã da obra original por razões inerentes à história em si, às personagens pouco desenvolvidas e estereotipadas, à misoginia presente em todos os números e, especialmente, ao círculo vicioso em que a história se encontra, repetindo constantemente a mesma fórmula, a verdade é que “Days Gone Bye“, o episódio de estreia, conseguiu o impensável: surpreender pela positiva e mesmo superar as revistas originais. Não só, na versão televisiva, a história foi bem apresentada, escolhendo-se homenagear a banda desenhada ao recriar, quadro por quadro, algumas das cenas mais memoráveis, mas conseguiu também introduzir da melhor forma a personagem principal, Rick Grimes (Andrew Lincoln), dando-lhe uma dimensão que o original tardou em conseguir e, especialmente, Morgan Grimes, brilhantemente interpretado por Lennie James, um pai que procura sobreviver e proteger o filho deste apocalipse mas que se encontra ainda preso ao passado, incapaz de acabar com os fantasmas que o perseguem. De desenrolar lento, silencioso, “Days Gone Bye” consegue não só estabelecer uma ligação dos espectadores às personagens, como também fazê-lo enquanto se vai contando a história do que para trás ficou, de tudo o que acontece enquanto Rick está em coma, sem nunca parecer um episódio expositivo. Com interpretações excelentes, uma direcção exímia, uma história contida, uma caracterização soberba e uma banda sonora de destaque, a série conseguiu assim superar todos os possíveis obstáculos e apresentar um dos melhores episódios do ano. No entanto, o que se seguiu não manteve a qualidade desejada.

Apresentada a situação, Rick parte à procura de outros sobreviventes e da família que se recusa a admitir que perdeu. E é aqui, exactamente, que a série encontra o seu maior obstáculo. Se as personagens pouco cativantes e pouco desenvolvidas já eram um problema na banda desenhada original, as criadas especificamente para a série conseguiram ser ainda piores, de tal forma autênticas caricaturas que de algumas nem sabemos o nome antes de desaparecerem para sempre, como é o caso de mulher que decide ficar para trás em “TS-19“. De rednecks racistas a maridos abusivos a famílias inteiras constantemente no fundo do ecrã, o que não falta são extras para matar quando um episódio precisar de um bocadinho mais de emoção, provando que não é só na ficção científica que os “red shirts” marcam presença. Se as personagens extra pouco ou nada trazem à história, já as principais, que incluem a Lori (Sarah Wayne Callies) e Carl (Chandler Riggs), a mulher e o filho de Rick, Shane (Jon Bernthal) o seu antigo parceiro no departamento de Xerife que, pelos vistos, mal se livrou do colega e já está a tentar consolar a mulher, as irmãs Andrea (Laurie Holden) e Amy (Emma Bell), para além de Dale (Jeffrey DeMunn), Glenn (Steven Yeun) e Jim (Andrew Rothenberg) acabam por pouco mais fazer: os que têm direito a alguma exposição, como Shane, tornam-se personagens altamente contraditórias, que num momento se mostram dispostos a ajudar mas noutro seguinte a violar, e aquelas cuja interacção deveria ter tido mais destaque, como Andrea e Jim, pouco conseguem mostrar antes do inevitável acontecer. Não há dúvida que o desfecho de “Vatos” é chocante, e que as cenas de Jim e de Andrea em “Wildfire” provam que, quando quer, a série consegue trazer de volta aquela emoção que deixou transparecer no episódio piloto. Mas infelizmente, numa temporada tão curta quando esta, haver apenas um punhado de cenas verdadeiramente boas e marcantes, acaba por nos deixar com algum amargo na boca, ao ver guradas as expectativas que trazíamos.

Irregular, capaz de momentos brilhantes e, ao mesmo tempo, de outros completamente surreais, “The Walking Dead” ainda tem muito que andar para poder chegar aos calcanhares das suas irmãs mais velhas na AMC. Esperemos que a distância que nos separa de novos episódios, e o afastamento parcial da trama original da banda desenhada, bem-vindo por estas bandas, traga consigo bons resultados e uma segunda temporada de grande nível.