Flashforward


As expectativas são uma coisa lixada. Seja no cinema, nos livros, na banda desenhada ou na televisão, é quase impossível não ter expectativas relativamente a uma estreia, devido em grande parte à forma como a internet dissemina a informação mais depressa do que conseguimos (ou gostaríamos) de assimilar. Quando se trata da televisão, então, torna-se tudo ainda mais complicado, uma vez que a dependência da aceitação junto do público como forma de garantir a estabilidade de uma história continua a ser a regra, especialmente do lado de lá do oceano. Assim, não é de estranhar que ao aliar uma premissa interessante baseada numa obra conceituada, um elenco bem conhecido do público, produtores famosos e uma grande vontade de equiparar esta nova série a outros sucessos prestes a desaparecer, se tivesse formado um mega-hype à volta de “Flashforward“.

No dia 24 de Setembro de 2009, estreia a série “Flashfoward” na ABC, que conta a história de evento misterioso que faz toda a gente ter uma visão do seu próprio futuro, causando o pânico e a morte um pouco por todo o mundo. O que é esse evento misterioso, quem foi o misterioso responsável por ele, qual o mistério por detrás das visões que alguns tiveram e que outros, misteriosamente, não tiveram, quem é a figura misteriosa que, misteriosamente, ficou acordada durante o evento, e de onde surgiu o misterioso canguru são algumas das perguntas a que Mark Benford (Joseph Fiennes), extraordinário agente do FBI, vai ter de responder. Com a ajuda do seu parceiro Demetri Noh (John Cho) e da colega Janis (Christine Woods), vai então tentar desvendar este grande mistério e, quem sabe, tentar impedir que o futuro menos do que perfeito que viu se concretize.

Com tantos mistérios para resolver, e uma premissa por demais intrigante – afinal, será ou não possível alterar o futuro? Será que as nossas acções irão ter algum impacto e mudar aquilo que vimos ou, como defendem alguns, apenas criar uma espécie de futuro alternativo? – havia aqui muito pano com que trabalhar. Juntando a isso uns cliffhangers interessantes que a série fez questão de nos apresentar no final dos primeiros episódios, e era quase impossível não aderir ao burburinho.

No dia 27 de Maio de 2010, trezentos dias depois da grande estreia, o que resultou então de todo este hype, de todas estas especulações? Um segundo evento, em tudo igual ao primeiro (se bem que, desta vez, já não inesperado), mais visões de um possível futuro e… the end. Sim, é certo, a série foi cancelada quando o final da primeira temporada já tinha sido filmado, não havendo qualquer hipótese de dar uma explicação sobre os mistérios levantados ao longo da temporada. Sim, é certo que os produtores tinham pensado em cinco temporadas e que, por isso, é natural que a primeira fosse a temporada de apresentar personagens e de expor os mistérios que, num mundo ideal, iriam ser desenvolvidos ao longo dos anos. Sim, nós sabemos tudo isto. Mas isso não significa, no entanto, que aceitemos de qualquer maneira as grandes asneiras que a série foi fazendo ao longo da temporada e que culminaram neste cancelamento.

O que correu mal? Tudo! Personagens fracas que apenas se destacavam pela total incompetência que exibiam (o supra mencionado Mark) ou pela total inutilidade, como no caso da Penny de Lost Olivia Benford (Sonya Walger), que passou meia temporada a fazer olhinhos de carneiro mal morto e a tentar não trair o marido para, no final, se atirar a Jack de Coupling Lloyd Simcoe (Jack Davenport), o homem acusado de causar o evento, juntamente com o seu misterioso parceiro hobbit de Lord of the Rings Simon Campos (Dominic Monaghan), mas que afinal não foram os causadores do evento porque foi uma outra qualquer pessoa misteriosa que afinal morre antes de revelar que não era ele o lobo mau mas sim um outro que quando é capturado revela que ainda não era ele o lobo mau chefe mas sim outro e… Bom, foi qualquer coisa assim parecida, ninguém percebeu muito bem a história cheia de voltas e de reviravoltas e de tramas secundárias completamente indescritíveis, como a do médico que se ia suicidar mas que afinal já não o vai fazer porque teve uma visão da sua julieta e tem de ir até ao Japão à procura dela; isso e, é claro, a história do amigo do Mark, o homem das barbas que está sempre a chorar pela filha que morreu mas que afinal já não está morta, mas que é raptada e o pai vai para o Afeganistão à procura dela mas chega tarde porque ela morre mas depois, mesmo antes da série acabar – ou, se quiserem, trinta segundos depois de nos terem dito que está morta – descobre que afinal ela ainda estava a respirar e, por isso mesmo, ainda estava viva e… Confusos? Também eu… e acabei de descrever basicamente apenas o início e o final da série. Resta saber o que andaram a fazer nos restantes episódios!

Como dizia ali atrás, as personagens eram fracas, os diálogos piores ainda, e as tramas tão embrulhadas, mas tão embrulhadas, que nem mesmo um chinês teria paciência para tentar encontrar o fio à meada. As grandes questões – Poderá o futuro ser alterado? Quem criou o evento? O que é o evento? – essas, ficaram por explicar. Pois se nem sequer nos disseram o que significa o raio do canguru…

Trezentos dias depois do evento que deu origem a este “Flashforward”, o que sobrou para os espectadores foi uma mega-desilusão e a certeza de que se as expectativas elevadas tiveram alguma influência no nosso desagrado, foi sem sombra de dúvidas a direcção (ou falta dela) da história e das suas personagens que selou o destino a esta experiência. Lição aprendida, mais vale tentarmos, para a próxima, ignorar as expectativas que se estão a formar porque, como já deu para ver, a coisa vai, muito provavelmente, dar para o torto.